domingo, 22 de novembro de 2009

As crianças da Chuva

Hoje até as duas horas da tarde fazia calor e nenhum sinal de chuva. Pelas primeiras horas do dia o sol havia aparecido. Agora são 14h51 e a chuva cai rancorosa, cheia de ódio e força.

Minha mãe e eu paramos na porta da sacada para observar a água lavando a avenida, a paisagem esbranquiçada, o vento forte desenhado nas gotas da chuva. Do outro lado da rua passavam quatro crianças, subindo a ladeira da avenida carregando suas bicicletas antigas. Crianças de tamanho variado, da cor negra. Observei e senti pena. Minha mãe viu alegria. Andavam todos pela beira da rua, onde uma água suja descia com força contra suas canelas. Logo, um deles deixou escapar do pé seu chinelo, e o menor deles correu rua abaixo atrás deste. Descia, sorrindo e rindo, mergulhando as mãos e os braços da água suja em busca do chinelo. Logo se jogou na correnteza da água com o par levantado nas mãos, e dava risada, chamando seus amigos, que levantavam a dianteira da bicicleta, empinando-as.

Trouxe de volta o chinelo e todos se abrigaram de baixo da marquise da loja de som automotivo. O vento forte continuava, e eles riam, e eles brincavam.

Crianças vêem na tempestade o espaço para suas brincadeiras. Vêem na chuva a possibilidade de lavarem suas almas. Por que elas não foram manipuladas pela consciência adulta de que tudo é motivo para seriedade, preocupação e tristeza. Crianças são puras e não têm medo de perder a seriedade diante de situações que deveriam trazer medo.

São elas, essas crianças pobres e negras da chuva, que deveriam conscientizar adultos burgueses que não se chora por ausência de dinheiro, e sim ausência de alegria de viver.


Que a chuva lave nossas almas da seriedade mórbida. Que sorrir não seja ausência de competência, e sim uma poderosa capacidade!