sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Estrelas entre Bambús

Em tenros momentos de infância, iniciaram-se a crescer envolta de meus pés as pontas dos primeiros bambus. Uma geisha desenvolveu-se e cresceu entre minha pele e minha carne, um tecido que permeia. Minha vida teria sido diferente sem tal roupa interna, feita de cetim e fios de ouro, desenhada de sakuras e bambuzais.
O vento trouxe o inverno nas encostas, as noites de lua cheia que pintam de azul as montanhas do Japão. Saio a noite para observar os arbustos leves e altos a dançar com o encontro dos ventos, e a música...



...Assim, de longe observo as lamparinas acesas do templo, e força variante do vento fazendo as a luz aumentar e diminuir para mim, longe. Levo minhas mãos aos cabelos; tiro meus adornos dourados e floridos. Entregues, meus cabelos ao vento; sinto-me viva.
Lentamente, me deito a grama, que contorna o e desenha meu corpo. O frio arde aos meus punhos e nuca. O ar daqui de cima é mais limpo, os sons são compreendidos perfeitamente.
De olhos fechados, sou uma flor presa ao solo, ao inverno. Caso-me e aceito o frio colado aos meus poros, assistindo a lua vir me beijar, me casei com mil homens esta noite. Os homens natureza me consomem o raciocínio, me entrego.
A senhora que colhe nosso arroz está com sua flauta na mão, soprando a alma pela sua boca, e seus lençóis brancos e serenos vem me trazer amplitude. Mais uma alma que casa com a minha.
Começaram a aparecer as estrelas, que se acendem em silencio, no silencio. Existem até onde o céu beija a terra, no meu horizonte tem no seu limite mais uma estrela.
De braços abertos, o vento brinca com meus cabelos, ao chão. Se rastejam pelo meu rosto, minha boca. Levanto-me, rumo ao caminho do Kinkakuji. Preciso ver através dos bambus, uma luz.
Uma luz, a me esperar.
Passos lentos motivados pela minha alma, minha garganta aperta. Sei quem vou encontrar. A lamparina que se assemelha a próxima, de três metros em três de distância, banha o caminho de luz amarela. As pedras do chão, portam a sombra do meu corpo em movimento, diferente a cada passo. A música da flauta, a alma da senhora do arroz ainda me envia a medida do respirar.
A subida, meus joelhos se curvam ao primeiro degrau do portal. Telhados curvados, o brilho da lua refletida em suas paredes, e a ponta da espada, corta a atmosfera ao virar rapidamente, e por um lapso reflete a luz da lua.
Eu; Olhos atentos, pés parados a beira da escada, sei quem está a me esperar. Vento, cerrado. Velas quietas, não há dança, apenas música. Flauta, que permeia a minha alma, e prepara.
Mais um degrau, e a espada se completa, e sua mão erguida se desenha à luz.
Mais um, se subisse agora, então seu rosto iluminado; desapareceria então o ouro todo de Kinkakuji; ofuscado.
Yukimatsu, O Samurai.
Kimono branco como a própria neve, forte como a árvore de espalhadas e profundas raízes. O peito a sentir o frio como meus punhos. Abre-se a janela para o vento, que entra no espaço novamente. Movimentam-se meus cabelos, Yukimatsu se vira assustado, e eu estática, observo sua precisa atenção.
Baixos braços, a espada então cai ao chão. Essa noite sinto que receberemos flocos de neve.
Os olhos voltados aos meus tanto quando os meus, aos seus. Metros a frente, a espada plantada ao chão assume sua invalidez, Yukimatsu assume sua fraqueza. Sou sua fraqueza, enquanto ele me é força.
O vento beija seu corpo e transcorre seu kimono, e alça movimento e vôo até a mim. Pássaro de sutil movimento, que talvez seja livre a sutileza apenas longe de sua armadura.
Mãos que tanto mataram, limpas agora, parecem chorar aos poros. Mãos geladas e suadas que me seguram as mãos e percorrem meus punhos, e ante-braço, por debaixo da manga do meu hopi.
Olhos estes que estão na sombra enquanto a lua às suas costas; me respondem, e respondem.
Ele me observa ao luar, me deseja ao sonhar. Já não sonhamos mais enquanto dormimos.
Segurando minha mão, Yukimatsu, o guerreiro, samurai destemido, abandona seu porto, abandona sua espada ao chão, e se porta do meu corpo.
Até aos bambus, vem me trazendo pela mão, e me guia a sua frente enquanto curva-se a amarrar meu corpo aos seus braços, ao seu colo. Mergulhamos então juntos, a floresta de bambu.
A floresta é o infinito que a estrela me mostrou em algum momento sozinha, ao som da flauta que ainda não cessou.
Atravessamos o verde úmido do oriente, o vento calmo nos tocar o rosto, o meu que não conseguia deixa-lo.
A caminho, sua casa. Sua casa de tatami e folhas grandes e verdes. Três bonsais, cultivados. Meu guerreiro andou tanto tempo escondido, enrustido em um corpo, uma alma que ama. Aproxima então, Yukimatsu, da porta do templo ao meio dos mil bambus e lamparinas de pedra. Bem vinda, em kanji, ao alto da sua porta. Bem vinda, Sayuri.
Ainda nos braços dele estou, e faço deslizar sua porta de madeira, posso ver através, a luz das velas atrás do biombo.
Entramos juntos, chegamos ao ponto mais forte da estrela mais intensa do céu. O céu que visto através dos bambus todas as noites sem Yukimatsu, quando o encontrei, encontrei sua morada, e ali estaria minha estrela. A estrela, que não conseguia ser vista por que apenas nasceu quando encontrei o Samurai.

Nem a geisha, nem o guerreiro. Agora, apenas um.

Paula Morais