segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A Casa Parisiense


Depois de uma noite de sofrimento, ao amanhecer sou poeta.
Ninguém está livre de experiências desagradáveis, e ainda bem. O sofrimento é dolorido no momento, mas é o que nos torna merecedores de felicidade, valorizadores. Me dói tanto enquanto sinto, e me faz tão feliz ao aprender a mensagem,
É notável o quanto estou confusa com o que estou passando. Talvez seria exibicionismo chamar isso de Evolução. Apenas acredito que me sinto, a cada dia, mais decidida. Isso é estar melhor.
Enquanto sempre me diziam sobre o tamanho do sonho de se ser feliz todos os dias de vida, essa idéia sempre me foi estranha. Estranho o quando sinto que necessito de sofrimento.
Hoje eu caminhei com o meu portfólio na mão sem saber exatamente em qual quadra virar. Perguntei a algumas pessoas. Eu não sabia o que estava procurando, apenas gostaria de estar preparada a qualquer coisa que estava prestes a encontrar.
As pessoas ficam me observando por que eu provoco. Na frente do espelho eu faço uma arte nos meus olhos, me maquilo profissionalmente sem carregar. O bastante para parecer a mulher ideal. Necessidade de ser Completa. É tão pouco o que usamos para chamar a atenção dos outros. É uma pena que eles não possam ver nada mais.
Quebrando ruas, observando pessoas me observarem. Cheguei no salão de exposição de artes. Alguns carros estacionados e alguma movimentação entre a porta. Antes de virar a esquina que dá para a entrada, uma mulher passou na minha frente e entrou dentro de um Picasso, o que me fez imaginar que ela era uma artista totalmente inspirada. Olhei pra cima para observar as janelas laterais do sobrado, me lembrou a França, algo europeu. A sacada com adornos em ferro, arabescos. Tudo romântico, exalando uma magia curiosa. É definitivamente um lugar artístico.
Entrei então pela porta sem que desse tempo de sentir medo; evitei pensar. Haviam alguns homens conversando entre si, salas vazias iluminadas de luzes baixas e com quadros abstratos na parede. O clima era de mudanças, haviam pessoas retirando quadros e conversando. Alguns jovens estudantes, e um senhor de cadeira de rodas, sem os braços e pernas. Me voltei a ele, e pedi:
- Gostaria de conhecer a exposição de vocês.
O telefone tocou; alguém pedia por aulas de desenho. Bom, eu estava ali. Mas antes de mim, talvez a alguns meses, outra pessoa chegou antes.
Haverá então um coquetel de abertura de uma nova exposição chamada “Alegria” e a cerimônia de divulgação de um livro. O senhor de cadeira de rodas me informou, e me convidou para participar. Resolvi voltar a meu interesse.
Abraçava o meu portfólio, e todos os homens não entendiam direito o que eu pretendia até eu perguntar se no lugar se ofereciam curso de desenho. Se olharam, e eu estendi meu braço e delicadamente pedi para que olhassem meu trabalho. Estive tentando me encaixar ao mundo, as pessoas, ao comércio. Mas, infelizmente, nasci artista. Eles concordaram, e melhor, entenderam. São artistas.
Obviamente estava nervosa, e eles sem tempo. Começaram a folhear minha pasta e elogiar meu trabalho. O senhor na cadeira de rodas me reconheceu no auto-retrato. Talvez eu tenha sido fiel a mim e a regra, profissional.
O barulho, pessoas passando, telefone tocando, mostrou que talvez não fosse um bom momento e eu pudesse ser impertinente. Meu dom ao meio da bagunça poderia ser uma perca de tempo a eles e rapidamente seria despencada. Eu preciso viver, preciso ser artista. Entreguei meu portfólio. Disse para ficarem e depois voltaria buscar, talvez amanhã. Pedi para que me lessem, me estudassem, com carinho. Ele disse “sim, veremos com carinho, e encaminharei pra responsável”.
O que me deixa contente é que eu estou naquele portfólio, há muito sobre minha essência. Há textos, currículo, diplomas, dramas e agonias, felicidades e alegrias. Será que nem no meu meio serei valorizada? Se eu não for, não faria absolutamente nada bem, e além de tudo, seria uma péssima artista, mais uma.
Agradeci, sorri, saí.
Os homens me seguiram com os olhares até eu deixar a casa do tipo francesa. Tirei meus pés da Europa e voltei pra casa, sorrindo. Feliz só por que saí de um lugar onde havia quadros na parede e o nome “Cultura” em cima da porta. Andei duas quadras em direção ao mar que já estava me espiando desde que entrei no museu, por entre os prédios, curioso pelo resultado. O cumprimentei, observei, andei até em casa ao lado dele em passos lentos.
Os prédios já haviam privado a praia do Sol. Observei os pombos, as pessoas, areia, céu. De um lado da calçada a vida enclausurada em grades de consumismo, e no outro, a maior naturalidade e pureza da verdadeira beleza. O mar calmo, o céu azul claro, lá de longe havia tanto a se estudar. Antes de virar na rua de casa, escolhi um banco vazio. Estava sem minha pasta.
Comecei a pensar em como seria bom ter um papel e um lápis, como seria bom se eu pudesse desenhar aquela imensidão. Tentei me afastar ao máximo daquele pensamento que nos bloqueia a admirar por virtude da rotina. Observei a ilha como um todo, o topo do morro do final da enseada. As arvores que jamais havia notado. O céu, que parecia beijar o mar. Navios ancorados e barcos, longe da costa, longe do consumismo, ainda no mundo. Parecia impossível.
Vinte minutos se passaram. Antes havia visto crianças na areia, brincando depois de terem entrado no mar. Senti falta de ser uma criança, de entrar no mar mesmo no frio, não temendo se outros entram ou deixam de entrar. Me veio uma vontade natural de ser natural. Estava a tempos tendo que me engolir e vestir de ser humano usual.
Observando a vida, o estilo de vida, me veio um esgotamento e levantei. Apressei o passo, fui pra casa. O mar deve estar decepcionado comigo.
Tudo foi diferente hoje, o céu e o mar estavam indescritíveis, de beleza infinita. Andando na rua eu pensava “Meu Deus, obrigada. Que dia maravilhoso!”.
Ontem eu percebi algo que Ele gostaria que eu percebesse então me presenteou felicidade para o dia de hoje. Deixei por um momento de me sentir esquecida, mesmo sabendo que não fui, não sou e não serei.

Por um segundo não desisti do mar. Da independência, da oportunidade. Por um segundo minha força não foi suficiente, e imaginei meu sorriso perfeitamente perto da minha mãe. Tudo pareceu mais fácil na imagem que desenhei em minha mente, longe daqui.
Olhando para o mar, me desculpei.
- Hoje, quase desisti de você.
Triste, mesmo com o sol brilhando animado no céu. Ondas quietas, como se sem objetivos, sem esperanças. Desiludido. Como se sentisse que eu estivesse o traindo. Procurei não olhar muito para ele, não pisei na areia. Observei uma moça passar com os calçados nas mãos e os pés na água, fiquei a admirando.
As pessoas aqui têm nojo do mar, poucas pessoas o tocam, o sentem. Todos dizem “o mar é podre”. Aquela moça e eu temos algo em comum. A podridão é maior desse lado da calçada.
Como podem imaginar podre aquela imagem? Ele é um ser, humilhado e talvez podre por nossa causa. Sujo e poluído por propriamente quem o chama de podre. O ser humano é mesmo de uma ignorância e de intolerante autoritarismo, o exibicionista que abraça méritos de um Deus. O ser humano é a perfeita imagem do Regresso. A maior parte deles.
A praia que se assemelha ao paraíso intocável se deu fim quando as primeiras pegadas de um egoísta marcaram-se na areia. Aqui ele construiu vícios, conceitos pútridos e consumismo compulsivo. Aqui ele deixou seu rastro, e hoje, aqui ele chama de Podre.

Reza por mim, tu.
Deus olhe por mim.
Permite-me finalmente ser eu e, em paz, encontrar sentimento.
Permite-me finalmente ser eu e casar com a minha alma, respeitando-a e aceitando-a para a eternidade.