segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Hoje, Conversei com Deus


Sábado, 1º de Agosto de 2009;

Na tentativa de encontrar um traje perfeito para irmos até o Porto Santo, entramos em pelo menos cinco lojas. Minha parceira de apartamento talvez tenha sentido a necessidade de ser olhada duas vezes pela mesma pessoa, ou por várias pessoas. Tinha nevoeiro, e depois de muito andar, as lojas começaram a fechar, e não havíamos encontrado nada como nos nossos sonhos consumistas. Não imaginaríamos que uma luz nos apareceria antes de chegar em casa.
O propósito era alimentar nosso ego, nos sentirmos maiores da forma mais fácil e ilusória existente. Sem sucesso, na volta o caixa eletrônico do banco ainda estava aberto e a Aline precisava depositar dinheiro. Eu, que não iria comprar nada, voltei pra casa da mesma forma que saí. Já ela estava frustrada. De costas a entrada do banco, senti levemente uma mão no meu braço. Uma senhora de aproximadamente 60 anos, cabelos brancos, sorriso tranqüilizante, óculos de forte grau, vestida de um casaco cinza mesclado com bege, em lã trançada, e calçando um tênis branco e limpo do tipo Olímpicos dos anos 90. Era uma peregrina, e eu não sabia.
- Com licença, moça. Preciso de ajuda, e vocês duas me inspiraram confiança (...) poderiam me ajudar a depositar um valor em dinheiro para esta conta?
Pelo sorriso encantador vindo dela, tentei ser útil, mas muitos anos evitei saber da parte burocrática das coisas por achar ignorância dos outros, ou por pura ignorância minha, e nem sequer poderia ajudá-la sozinha. Chamei a Aline, que estava virada pro caixa, depositando. Ela terminou e veio nos auxiliar.
A Senhora tinha uma grande bolsa, de onde tirou um caderno pequeno tipo agenda de telefones azul marinho, repleto de anotações em caneta azul, e delicadamente buscou por uma informação. Eu olhava atentamente. Mesmo que parecesse estranho, eu a admirava em todos os seus detalhes. Ela parecia um livro, transbordando experiências.
As mãos eram marcadas, como o rosto. Elas procuravam lentamente naquela pequena agenda já amolecida de tanto ser folheada. Com um sorriso sempre no rosto, ela estava brilhando, e eu não conseguia entender o por quê, mas sentia os raios sobre mim. Me acalmava, estar perto. Entre um sorriso e outro, ela cantava algo que dizia “Deus é bom(...)”. A Aline parecia meio inquieta por que estava passando o tempo e ela não encontrava o que procurava na agenda. Eu, depois de observar tal impaciência, sorri, encostei meu braço direito na mesa alta do banco, e fiquei paralisada, ouvindo as cantigas.
- ÓÓlha meninas, Deus é bom! Deus me mostra em quem eu posso confiar. Ele não me permite aproximar de pessoas do mal, pessoas falsas. (...) Deus tem um propósito a nós (...) Por isso temos que dar o testemunho, temos que falar Dele, agradecer, por que ele é tão bom! (...) Sou apaixonada por Deus!!!
Era tão calma, e transmitia tanta informação. O que ela procurava era o numero da conta da pessoa a quem mandaria, o que logo então encontrou. Preenchemos juntas o envelope para o depósito do dinheiro. Ela escrevia lentamente com letras caligráficas, atenta aos detalhes para não errar. No fim errou algumas coisas, mas admitiu que não seria problema. Caminhamos juntas até a máquina para fazer o depósito. Ela era tão pequena que não alcançava a altura dos nossos ombros. Eu e a Aline, uma de cada lado, parecíamos as guardiãs da pequena senhora, talvez dois anjos, como ela mesma ficava a dizer a todo o momento.
- AH! Meninas! Vocês são Anjos que foram enviados por Deus pra me zelar e nada acontecer de ruim a mim enquanto eu lido com isso.
Terminada a missão, ela gentilmente pediu se poderia concluir o pensamento dela sobre Deus. Não olhei para a Aline porque seria como um “não” àquela pequena senhora. Mesmo que houvesse pressa, eu estava encantada, e nada me esperava; pelo menos nada mais significante do que aquelas palavras.
- É Claro que a Senhora pode... Por favor!
Ficamos mais dez minutos ouvindo, e tive a incrível sensação de que se há um Deus, foi Ele quem me enviou aquele Farol para dizer que está com saudades de mim, e que gostaria que eu voltasse pra casa, ao lado dele.
Ela então contou que foi ao Egito, e duas vezes visitou o monte Sinai. Com tanta humildade que me fazia me sentir em casa. Disse que estava em Camboriú por causa de uma convenção relacionada a religião, e era do Rio Grande do Sul, estava em um hotel junto aos outros da excursão. Tantas coisas foram ditas, mas as palavras dela eram tão doces que eu, na minha imaturidade e ignorância, não consigo imitá-la, reproduzi-la. Aqueles olhos pretos por detrás daqueles óculos antigos de lentes grossas, o casaco bem fechado, a bolsa no ombro e as mãos pequenas juntas. Deus mostra que existe em forma de humildade. Meus olhos assistiram a aparência dela, a sua fala, a sua calma e seu jeito. Dizia que Deus teria um propósito para mim, de um jeito que me convencia. Enquanto ela falava, subitamente meus olhos se encheram de lágrimas, era como se estivesse de volta pra casa, perto dele.
Senti uma emoção enorme, e notei que meus olhos para ela estavam claramente cheios de lágrimas prestes a desabar, então ela me veio abraçar, muito sorridente. Não senti repulsa, não notei cheiros ou textura de cabelo, qualquer coisa do gênero. Senti como se estivesse abraçando alguém da família, uma tia próxima que não via há algum tempo. Alguém com um vínculo muito maior do que um simples estranho, o que ela era, mas definitivamente não parecia.
Me joguei calmamente no abraço dela, e falei várias vezes que ela era iluminada. Confessei que havia estado longe de Deus, e que estava querendo resolver minha vida, achando que era racional e forte o bastante para fazer isso sozinha. Andamos com ela em passos lentos e mãos no bolso, concentradas na continuação da conversa, até encontrar o hotel onde a deixaríamos. Tentei ignorar o barulho dos carros, a poluição, pessoas entregando panfletos, música sertaneja no último volume, luzes e letreiros, promoções em cores e letras assustadoras nas fachadas das lojas... E aquela pequena pessoa do meu lado, com uma concentração que parecia intacta. Parecia surda e cega a essa ilusão, ignorância urbana. Para ela, parecia que ouvir aquilo e não ouvir nada era a mesma coisa.
Confessei mais várias coisas a ela sobre mim, e contei que era artista plástica. Quando ouviu isso, ela pareceu entender muitas coisas. Fez um Ar de: “Hum, está explicado”. Devo ter deixado perceber que tenho todos os sintomas de um artista; sempre irritado com a pobreza de espírito das pessoas, perdido num mundo onde jamais conseguirá se encaixar ao conceito “Normal” e formal.
Ela é formada em História, além de toda a experiência de vida que ela carrega dentro de um metro e meio de altura. Percebi que a mente da gente é uma oficina, e é você quem escolhe a quem quer servir.
Deixada no Hotel, continuamos nosso caminho até em casa. Nem eu, nem a Aline, comentamos algo ou dizemos uma só palavra sobre aquela senhora. Eu estava estudando o meu novo sentimento de que algo havia mudado na minha vida depois dessa conversa instantânea com aquela pessoa. Não parei para pensar se a Aline havia sentido alguma coisa parecida, mas tive certeza que não quando passamos por uma loja e ela disse:
- “Um dia eu vou ter dinheiro pra comprar essa loja inteira”.
Só espero que Deus seja com ela tão bom quanto foi comigo ao presentear discernimento, mesmo que ela esteja longe dele, como eu estive.
Os planos eram ir ao Porto Santo, antes de toda essa viajem acontecer. Fui ao monte Sinai, ao Egito, ouvi uma orquestra de anjos, li a bíblia e abracei Deus. Depois de tudo isso, de repente a balada deixou de fazer sentido, e, na porta de casa eu disse que talvez fosse melhor não sairmos mais. O melhor do dia já havia acontecido, e já não havíamos mais a que procurar. Então, ficamos em casa.

Às do estilo Nova York...
“...O mundo aqui é da cultura do Maior. Estar aqui é prova de fogo... você precisa provar a si que a mente é maior que o corpo, enquanto aos olhos isso se mostra o contrário. Aqui, as pessoas comem o melhor, dirigem o melhor e vestem o melhor, mas estão longe de se sentirem melhores”.

Paula Borges de Morais