segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Mãe

Percebe-te infeliz? O que te faltas?
Mãe. É a quem eu chamo aquela que me guarda dentro no útero mesmo que mundos nos distanciem, por que zela, cuida, e reza. Não achas que eu tenha esquecido de ti quando ouço La valse d’Amelie!?
Quisera eu lembrar do primeiro colo, primeiro cheiro, primeiro abraço e dos cuidados. Como me olhavam como um ser novo nesse mundo... Como posso eu ter chego assim, de você? De dentro de uma fortaleza? A minha alma agradece ao meu anjo que me deu vida a cada segundo que se passa ao considerar-me viva. Só você poderia me dar algo que jamais, ninguém comprará ou venderá. Não existe comércio para os milagres.
Não existe comércio para o Amor.
Confio em nada, pois confio tudo o que sinto a ti, só a ti.
Ao Amor não conhecerei, pois conheci o teu, e depois dele não há.
Não deveria esperar-te ir embora, ver partir, para notar o quanto tu me faz falta. Meu porto seguro, minha artista, minha fonte do dom meu.
Minha mãe, por que só me sinto segura nos teus braços? Por que só o teu amor é o maior do mundo? O que te fez me amar tanto assim?
Eu não tenho nada, o que tenho é nada. Não sei o que usar para agradecer algo que não comprei, algo que não pedi, e foi me oferecido, e presenteado. És a única que me amas sem esperar algo em troca.
Me deste um milhão de chances de ser feliz estando em algo chamado Vida, o que também me dera. E além de tudo me deu a chave, a porta e o caminho adentro, o DOM. Fabricou minhas mãos e dentro delas, o Dom.
Sei desenhar teus olhos sem precisar olhar pra ti, teus cabelos, teu sorriso, teus braços, por que sou você. Vejo você, o espelho me mostra. Meu orgulho é ser sua semelhança, a beleza em mim são os traços seus.
Como poderia te pagar?
Como posso me redimir dos tantos erros?
Estou longe no meu porto, um barco perdido, navegando solitário, sem tripulantes, sem velas. Vejo o mar, mas não meu farol. Meus remos são dois lápis de carvão, alimento-me de inspiração vazia. É como comer sal e trigo em água. Longe de ti, não sei mais fazer brilho nos olhos da moça ao luar, não consigo mais reproduzir movimento ao corpo da guerreira. Meus dedos não me obedecem mais. Meus dedos nem me reconhecem mais... Algo aqui morreu.
La valse d’Amelie.
La Dispute.
Comptine d’um Autre Ete...
Ouço a trilha e sonho com um bem material sem a função ao ego. Apenas quero um espaço de teto alto, janelas compridas, grandes, vista para o Sena. Cortinas leves de seda branca que todos os dias, o dia todo, dançam para nós duas. Mil telas e mil tubos de tintas. Duas camas grandes de ferro rústico e torneado. Guarda-roupas de madeira maciça dos anos 30, e coleções espalhadas, Goya, Rembrandt, Renoir, Delacroix, Dali, Michelangelo. Um quarto grande a vazio, onde poderemos dançar clássicas em um toca disco, Bossa Nova e Blues, com pincéis e paletas nas mãos. Passagem sem volta para as viagens eternas da mente, espírito e coração.
Eu aceito teu cabelo assim, tua calça assim. Mesmo que você não use mais o vestido godê roxo de cintura apertada com gola grande, você é a mesma. Você não envelhece, você é eterna. Você é linda.
Você é uma imperatriz, linda como a Maja Vestida de Goya.
Eu não durmo mais, não como mais, não sorrio mais. Eu bem choro.
Eu vivo assim. Por viver sem trajetória, sem força, sem fonte de energias, sem ligações que me trazem inspirações, sem cordão umbilical.
Faço apenas poemas, inspirada pela saudade; nostalgia mórbida.
Faço desenhos sim, mas não termino. Estou a construir uma cidade de edifícios onde me domino pelo medo e só construo até o segundo andar, onde não é tão alto e exigente. Largo a pá e cesso a força, desisto de mais uma obra e começo outra em altura segura. Não sei mais o que fazer, não sei o que esculpir. Não sei mais segurar meu lápis, não sei mais quem sou.
Agradeço ao sofrimento por me inspirar destas palavras. Agradeço. Descobri o que significas Tu, Mãe.
Madre mia, mi puerto...
Então existi eu pela primeira vez nesse mundo em um dia de verão, 11 de janeiro de 1989. Desde então, minha razão. Minha razão, poder ser sua obra de arte, seu quadro pintado, o qual você mais investiu amor e dedicação. Quadro esse não terminado em dois ou três dias como você hoje faz. Esse só terminará o dia que eu já não mais existir.
Não sei pintar, não sei usar cores, não me abandone e se dedique a mim até que a obra esteja terminada. Michelangelo terminou a capela Sistina.
Mãe, vida reprodutora. Agradecer-te-ia com a minha vida. Morreria, sim, sem medo de dizer, por você.

Meu poema mais sincero dos sinceros, é teu. É para ti.

Paula Borges de Morais